27 de setembro de 2012

Além da Deflagração dos Olhos

Egor Shapovalov


No esquerdo o céu

no direito o mar

ao centro o coração limpo e nu

os pulmões cheios de nuvens

e a boca a sonhar

26 de setembro de 2012

Notas Inuteis




Sacudir o sonho


como um resto de pó


de um velho casaco


para que a pele guarde no silêncio


a sua cicatriz


mas no mesmo sitio


vê-se claramente a queimadura


de outra ferida


a pele rasgada pelo impossível


é do corpo a combustão do homem


onde uma mulher terrível


lançou à distância


o seu tenebroso silêncio


desfigurando-lhe o coração


das cinzas férteis


outra surgia lentamente


como a semente adormecida pelo rigor do frio


compreendia a seiva


brotava do chão como uma casa luminosa


ligava a máquina nocturna


onde o homem fabricava as nuvens


e alimentava o miraculoso fruto da paixão


o resto é sémen


lágrima


boca


escuridão

20 de setembro de 2012

Transformado em Árvore Enraízo-me




 Transformado em árvore

enraízo-me e tremo ao vento

o rosto debruado a folhas

as mãos como troncos prometidos á Primavera

abrem-se para sentir

falo de uma fúria que se abate no centro

e sinto a feroz fechadura do tempo

que nos rouba o futuro

mesmo assim

passeio o sonho aberto pela insónia

solenemente desço as escadas

abro os mapas conhecidos da noite

coberta de melancolia

navego pelas horas delicadas e silenciosas

escrevo o fogo interior que impõem a luz

para que possa pousar o breve pássaro da paixão

privilégio ácido

um acidente cortante

um espasmo que pode causar horror

e muita insensatez

não quero que o compreendam

não isso não

teria de admitir que estou correcto

chegaria a causar horror perante vós

suponho que a porta bateria

não admitiriam mais a sua presença

e a minha ausência notar-se-ia extremamente

por isso digo aos que nas zonas profundas

constroem o seu abrigo

aqueles cujos corpos levantam voo

para formarem nuvens

desses sou a flor que espera a chuva

6 de setembro de 2012

Onde Queima o Espirito a Forma Breve




Posso encher a caneta de impossível

inebria-la um pouco

talvez a faça sonhar uma vez mais

a última vez

peço-lhe que escreva no vento

o meu nome

para que esqueça

o futuro que foi presente

um dia com a Primavera na boca

deixei o coração sobre a mesa

para que iluminasse a casa

não poderia dar-te mais

depois parti

nunca fui desse mundo eu sei

e que mundo existe para lá

do pequeno filamento que acende o sonho

que faremos no regresso da viagem

quem nos esperará para lá dos portões

e se pudermos falar

que diremos aos que não podem escutar

tenho tanto medo

de te perder

tenho tanto medo

de não poder pagar o preço

tenho tão pouca fé

por isso digo-te baixinho

para não te magoar

amo-te

gosto tanto de ti

perdoa-me se puderes

hoje estás tão bonita

e mais um barco de tolices

Impróprias para um homem da minha idade

dirão os mais avisados

que perderam a infância em devido tempo

mas eu perplexo indeciso e vagabundo

como um albatroz sobre o mar

olho de cima para tudo isto

sei que este não é o lugar

onde poderemos matar a sede

pousar o corpo

aliviar a febre e o cansaço

e ao peso da sombra

responder com ferocidade

sou possível

e como o aço da lamina

firo

sou possível

mesmo que arda irremediavelmente

serei na tua escuridão

a inquieta brancura das velas

dessa nave que floresce a cada vaga

que procura ainda na vacilante trajectória

um porto seguro

essa casa tão breve

com o orvalho a brilhar por dentro

das pálpebras do luar

e a língua

fogueira a falar

a forma demasiado humana

e plena

este poema