28 de novembro de 2012

Sem Titulo




no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


Como quebrar o silêncio e a distância


em nome do mar te dou o meu nome


em nome do céu de dou o verd`azul do meu olhar


em teu nome recebe esta luz em que mais ninguém crê


e estes dedos que têm um brilho que só tu vês


muito pó e o labirinto onde algemei o corpo


a tudo que não podia te oferecer


áquilo que não pediste para deixar para trás


quando saíste subitamente


o amor ainda estava sobre a mesa


e os frutos da alegria ainda desprendiam


o seu suave odor


a casa respirava


erguia-se da superfície da terra


estava viva


até aquela hora medonha


em que partiste


e também eu agora


me despeço


guarda-me se puderes


devolve-me depois ás algas


indica-me o caminho


porque eu nunca soube para onde ia


ouvia os teus passos cá dentro em surdina


perguntava e o coração queimava tanto


que os olhos enlouqueciam de humidade


criavam sulcos no rosto


desaguavam em orquídeas lunares


enquanto o lume fazia o seu trabalho


eu não aguentava


rezava para o nada


no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


deito-me agora no que resta da casa


luto inutilmente contra a maré que sobe rapidamente


tudo naufraga


tudo é do mar


tudo é obra do mar e da tempestade


até a tua sombra e a minha


que caminhavam junto ás altas camélias


no sol de Agosto


quando eu cultivava o azul para te oferecer


queria um azul que mais ninguém soubesse

um azul que silencioso gritasse o que não te conseguia dizer


uma página com o teu rosto bastava


para acordar o corpo 

agora é hora de partir


tudo perdi e tudo ganhei


a chave do abrigo onde fazíamos o ninho


e pousávamos um no outro


vazávamo-nos um para dentro do outro


e voltávamos a encher


até sermos somente espuma


os dias eram claros e não havia espelhos


nem duvida


nem teias


nem blasfémia


tudo era tudo


eu podia chorar abertamente


as lágrimas corriam para o sitio certo,


agora sou aquele que vês


trago a foice por dentro


pássaros mortos


corto os fios internos


desato-me das pessoas e escrevo


porque agora sei de onde venho


do amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


caricia de borboleta


que me voava no rosto


agora é noite


esta derrocada de granito


vespera de nuvens


e dos lugares povoados pelas medusas estelares


deixa-me percorrer o caminho em direcção á sombra


guarda-me abraça-me e beija-me o mais que puderes


talvez eu ainda te ofereça a prometida flor azul


para o alicerce das águas

onde um dia fomos muitos pássaros  


estou desabitado


e a casa em ruínas chove-me em cima


persegue-me


porque agora sei de onde venho


do amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


agora que a sombra tudo arrastou tudo levou


mãe


e tu meu grande amigo que tanto ladravas ás ondas


que corrias mar dentro


para as reunir como um rebanho


e me olhavas cheio de entendimento


onde estarás


senão no grande esquecimento


da minha memória


no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


e se choro agora e se rezo outra vez


não é porque tenha fé


não é porque acredite nele


é porque sei que és minha


e escrevo para a noite


porquê sei que não dormes


lá nessa estrada celeste


onde estão marcados os nossos pés


e o caminho perdido


quando foi achado

e novamente perdido


quando foi pela ultima vez


que jurámos coisas terríveis


quando foi que levantaste a cabeça


e as estrelas se perderam do céu


quando foi que percebeste


que o teu pai


era apenas o coração de tua mãe


e uma paisagem destruída


escuta-me pois


se me acompanhares conhecer-me-ás 


mas não valerá a pena


pois eu virei as costas deixei que morresses


sem te olhar uma ultima vez


ao chegar o decisvo momento 


que poderemos dizer


para sermos um pouco mais que as pirâmides do deserto

senão todos os desertos simultaneamente


uma vaga explosão invade o corpo


expande o vazio


fecha os olhos


e nota que apesar disso


decorreram séculos desde que nos encontrámos algures


não aprendemos nada


pois ao caminhar para o extremo da sombra


ilumino-me uma ultima vez


queimo e pago o preço da combustão do corpo


para ser cometa cadente


do teu peito um farol


e criança a brincar na praia


a fazer barcos de papel


e marinheiros em concha sobre o convés


e um grande anjo branco a fazer de vela com as suas asas


vê onde estive e onde estou


vê o que te dei sem nunca possuir


o dia que fecha e abre como uma flor


deposito a flor


não digo o que não sou


sei que sou contra o silencio afiado

um gume prodigioso


digo a distancia


nada receias


porque o que está para trás


está para sempre perdido


no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


tu choravas as feridas de anteriores acidentes


eu crucificava o coração com a verdade


semeava a tempestade


amava-te tanto


esperava a vaga que me levasse mar adentro


para me afogar no teu sangue,


eu abria a longa cicatriz que já trazia

sem saber


para te mostrar o meu nome


eu que de tão longe venho


eu que te conheço


porque te sonhei tantas vezes


neste chão sombrio de luz


eu que no meu luto branco


já não luto pela flor e pelos lábios


onde me morrem todas as palavras


eu tive medo dessa casa sem tecto


poderia cegar


porque tu querias ver as estrelas


perdoa-me


tive medo de tanta luz


e da dor silente que somávamos sem tréguas


o que sinto pouco importa



no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….


caminho nu


como uma poema no papel deserto


sem cidade


sem casa


caminho através de cada letra


trago uma abelha luminosa na lapela,


mas ninguém vê


ninguém sente a minha ausência


não imaginas a dimensão do que nunca tiveste


pois se eu fosse apenas um destino


que não o assombro gentil do desespero


se eu não fosse apenas a nervura


da despedida das mãos


da desunião dos corpos


da devastação que a foice realiza


nas douradas searas do peito


e por baixo o vulcão


onde ternamente derramei a ultima gota de esperma

se eu existisse


no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


poderia encontrar-te….


destruir o falso equilíbrio


que a mentira perpetua


retirar o véu


mostrar as feridas onde tudo começa


mas o corpo deixou de procurar o sul


e o céu adoeceu magenta


o tempo abriu o grande fosso


e nunca mais nos visitámos


no amago da cinza


entre as mãos que ainda sentem


raízes que ainda vivem


como encontrar-te….





16 de novembro de 2012

Flores

"Spleen et Ideal" - Carlos Schwabe


Assim como divido

também multiplico

destruindo

construo

aniquilando

edifico

dizendo

calo

recordando

esqueço

vivendo

morrro

no tumulo

floresço