21 de agosto de 2009

Sol...



Um desastre não é mais que um pedido de desculpas ao destino
talvez obsceno de tão evidente
uma desolação que precede a alegria da flor beijada pelo sorriso da chuva
com a sua pequena boca estruturante
não é uma questão de palavras o que já está escrito
nem de gestos o que já não se pode sentir
um desastre torna mais inteiro o que foi destruído
no comércio das perdas
o jogo dos vidros partidos
é a mais importante janela para o sol.

20 de agosto de 2009

Micro Sol





Trago um micro sol na algibeira
e prometo cometer um crime com ele
aquecer o teu corpo com um coração a válvulas trágicas
algo do tipo leite-creme a escorrer pelas virilhas
com sorte conseguiremos um macro orgasmo
e ficamos mais inteiros para o desastre



Cá dentro morde-se consideravelmente o amor

17 de agosto de 2009

Pão


Palavras
In disiveis
In visíveis
In terditas
um
numero
um
nome
uma alcateia de lobos luminosos
pela garganta adentro
Que posso fazer disperso por estas praças desordenadas
senão compor minha mãe outra vez
sou uma língua agitada com alguma sombra
ou uma máquina cantante no ofício das letras transbordadas
eu sou uma rigorosa paisagem de azuis
e por dentro dos passos brotados na brancura da noite
alguma tulipas faiscantes como peixes profundos
um objecto cortante para esquecer a tua voz
começa a cantar no ventre da teia contraditória
onde me encordoo
a cidade respira
e eu mastigo a cidade
com as suas poluições magnéticas
caminho sob os neons
sou uma laranja na neve urbana
não posso dizer que sou gente
mas alguém dizia que podíamos sobreviver
sem perder a palavra
alguém dizia os nossos rostos como ateliers sonoros
e eu acreditei
eu ouvia as frases atravessadas e regressadas desse sonho
era um acordar escrito no labor da pele aberta pela caneta furiosa
gotas de tinta para que seja outro espaço a nossa cama
um lençol para o equilíbrio dos afectos
tem de ser uma cama de astros
sofrida no descansar do corpo extenuado pelo silencio
que poderia acolher outro nome para o seu baptismo
por exemplo a musica substancial do verbo
ou a delicada alegria de um corpo por mutilar de medo
a agulha da insónia repartida pelas horas
teus dedos amor são a grande capital da verdade
o teu coração uma borboleta de açúcar
o trigo multiplicado
estremo a extremo
o Pão.

14 de agosto de 2009

Explicação do Poeta




A experiência do real é apenas ponto de partida na minha poesia não ponto de chegada, e teve como alavanca essencial determinados acontecimentos passados na minha infância que fomentaram em mim a auto-educação do olhar e do sentir e posteriormente o explodir da criação. Esta para se afirmar enquanto obra de arte deve esticar os limites do possível, do verosímil e do próprio real para que se inicie a caminhada em direcção à obra verdadeira.
A poesia é pois um puxar os limites até ao extremo do terrível, do terrífico e do belo, por isso os poetas só podem ter medo de magoar a quem amam nada mais. O que já não é pouco diga-se. A poesia é também caminho de superação do caos do cosmos interior a partir de uma linguagem própria, propícia e profética. É ela que alicerça o difícil caminho da purificação e da graça, eis o sentido da evolução e da realização plena.
Por vezes é preciso distancia da realidade na procura de outra realidade interna, é necessária a arte da fuga, o imenso tromp l òeil do barroco espiritual, uma espécie de janela aberta para a utopia. Sim, é possível e necessária uma nova linguagem que rompa ou irrompa no desconhecido e que liberte definitivamente o poeta das amarras impostas pela narrativa mais comum ou como suscita Max Bense, opta-se por um conceito mais progressivo que insiste na função experimentativa-Intelectual. Isto inclui um movimento constante, uma irrequietude e a consciência de que a nossa missão é única e digna de confiança e de que mais ninguém a realizará por nós. Um movimento como um matar de sede polifónico e experimental.
Tornar visível o invisível e voltar a escondê-lo num jogo intenso e incessante de memórias futuras. Trata-se de dar harmonia ao ruído, fraqueza à força para a debilitar até ser criança e novamente emergir para a sua potência vital. Assim nasce e cresce a palavra que é vida  e todos os seus múltiplos sistemas e bifurcações. Assim se trava a batalha semântica, assim se projecta a luz para a abertura do olhar inocente.
Olhar que perscruta o escuro armadilhado da matéria ausente, presentificando-a ao espectador/lenhador das palavras. Como afirma André Malraux, só a obra resiste à morte, eu acrescento que também os vampiros. Trata-se pois de sugar o sangue ao tempo de modo a que a obra mate a morte, como descreve Romain Rolland.
Então, trabalha-se uma casa de linguagem acesa que pensa a soberania das ideias. Há um corpo total neste meu pensar. A minha cabeça é um tronco consciente cheia dos meus antepassados que hão-de vir. Os meus filhos são estes lugares, a violência da obra, uma cesariana diária donde emerge a alegria da vida, a plenitude do ser.
Eu escuto essa música interna, estremeço e tão dificilmente a consigo dizer sem me desconjuntar. Mas é desses ossos partidos que se faz o verdadeiro esqueleto. É assim que sou humano, é assim que respiro. Creio no impensável que mesmo assim tem de ser pensado para encontrar a identidade, a reunião entre o pensamento e a vida. Espaço de permutas, musica, água, cor, algumas serpentes, dores e lágrimas…também.
Existe na antítese e na contradição o caminho do reencontro com a esperança. Escrever é percorrer essa trajectória que reconhece à imaginação o poder de erguer a obra contra a podridão da morte e do desespero. Repito e clamo bem alto as imensas palavras de Carlos Sequeira Costa: “Viver no bem e na beleza, no anjo e na criança, até que a vida se estanque por si mesma…” Esse é o meu designio. Espero que esse caminho me escolha a mim e me encontre numa epifania contínua e infinita até que o vazio seja preenchido pela fineza da luz e a sua tremenda fascinação. Isto é um trabalho de paixão, uma peregrinação dirigida à construção daquilo que se procura na alegria do achar. A partitura da alma, a musica da transfiguração. É preciso deixar traços na paisagem, reflexos fotográficos, marcas e cicatrizes, tal é o nosso livro, até sermos somente um vestígio no tempo, mas mesmo assim traço fantasma, matéria pulsante, um clarão musical na amplitude do sonho. E assim te beijo com os olhos limpos do sentir.
Devo isto a quem amo e quem me ama também. A quem feri nesta vida, peço, com todas as minhas forças, perdão com a humildade de quem ainda não sabe nada.

11 de agosto de 2009

Uma Flor



Uma flor salta das veias
desequilibra-se no poema como ruína interna
Porém deverias saber que volto sempre como os gatos depois das batalhas
em sangue medido ao centímetro da pele rasgada
com o coração queimado por ervas daninhas
da cor dos teus lábios abertos ao meu encontro
a casa assombrada como se nunca tivesse cessado a noite
.

Não Serei Mais a Noite





Não serei mais a noite
dentro dos dias inclinados
pela amplitude das horas por perder
Não serei mais a noite
desfeita na curva da língua por doer
O sonho por sonhar no arder.

28 de julho de 2009

Astros




Desapareceu na imensidão negra do papel branco
ainda louco na espuma do pensar
molhada memória marítima da caneta arterial
o vento branqueia as nuvens de prata
olha-me saboreia-me ou desata-me contra as árvores
que trago nestes olhos melancólicos
duas luas cegas separadas pelo firmamento
algodão da noite doida ás invisíveis tempestades
a ideia crepuscular de um coração de musica interna
pão para ouvidos famintos da boca
delicados trapézios
o sonho levanta-se inútil
ás primeiras horas do corpo
observa o anjo incendiado a seus pés
um queimar de estrelas
um violino silencioso outra vez
um movimento angular por dentro do desassossego
na minha garganta de animal feroz e terno
eu já não posso falar de mim
sem a certeza de ser eu
e os dias escorregam como gotas
na amplitude do sentir
dias e dias sem descanso
passos de sangue desperdiçado
no medo terrifico do amor profundo
eu era uma casa em chamas
por baixo da insónia
uma cabeça de flores crianças
sem o seu jardim
uma respiração convulsa na procura do dom
um ingénuo mendigo ardendo em astros de poemas.




Brevemente...





Brevemente
Assim se chama a vida
um falso lugar ancorado a três poemas
o meu, o teu e o desconhecido

27 de julho de 2009

Lugares




Para sermos um turbilhão que corre para a luz do acordar
Para sermos infindáveis e belos
Para sermos línguas de fogo e ardermos no pensar da carne.

Musicos Loucos



Se pudéssemos voar para dentro
não seria preciso cortar os pulsos
e calçar os sapatos para nos perdermos
como cães raivosos de terem um filho gato
É com os dentes que se afiam alguns pianos
É entre o fim da noite e a aurora
que chegam os melhores demónios
e os anjos mais perversos
ensinam-nos o caminho
passos em falso na direcção correcta.

Ameaça Suspensa



Tenho saudades de morreres em mim como vinho na boca de sua cepa
Que fazer com um coração tão perfurado?
pronto para a agressão com as melhores intenções
há um tempo para bruxedos e facas de chocolate
se eu soubesse de mim nunca perguntaria.

15 de julho de 2009

Da Fuligem das Noites





Da fuligem das noites

sobra a devastação dos lábios por comer

da memória colectiva dos braços por apertar

resta o coração perfurado pela a evidencia do sonho

peço perdão e porque não peço perdão ao não

mesmo que seja tarde para o sim

e para o debruçar do oceano sobre as janelas dos teus olhos abertos pela devoradora miragem

Vejo

penso

canto

sobrevivo cadáver à claridade

angustia de não te soletrar o nome

no relento da pele tatuada ou em gracioso sangue tanto faz.

As maçãs atónitas de teu ventre enlouquecem os dedos profundamente lunares

fogos persistentes no além rosto obscuro

destruímos o mundo para ficarmos sós eternamente

alimentamos assim o infinito.

Poderíamos Dizer


Poderíamos dizer das nossas bocas

que a morte saberia um pouco mais a vida.

Poderíamos dizer se soubéssemos enlouquecer

ou roer a corda do tempo e partir