28 de outubro de 2011

A Cidade Perdida




Caminhas como um fósforo por arder

a cabeça ácida

o coração descosido

pelo gatilho do assombro

eis os dedos difusos

a mão estilhaçada

eis a arma do estremecimento

eis como palpita o revólver por dentro

um músculo dorido depois do esforço

estremece com minucia o coração

nota-se que a pele já não o protege

vislumbra-se a verdade

e o sangue

que invade as entranhas como matéria nocturna

através do tecido rasgado pela vertigem

vem à boca do céu

desprendem-se  luzes

caiem ainda vivas

sobre o rosto do mar lavrado pelo mau tempo

e o corpo assim exposto à desordem do sonho

acorda a cidade salgada

segue os teus passos

mas tu nunca chegas

nem compreendes.

20 de outubro de 2011

18 de outubro de 2011

Partitura

Julie de Varoquier


Vou ao encontro de me esperar


onde me basta a excessiva lucidez

da invisível presença

13 de outubro de 2011

Transfiguração

Man Ray


Corríamos para a água

atirávamos para lá os corpos

para dela receberem a luminosa transparência

assim

se derramava o destino

sobre os corações e as ondas

assomavam-se agora a tempo

de na praia

desenharem as nuvens

a nossos pés.

12 de outubro de 2011

Um Rosto Rigoroso

(Ao Miguel Rovisco)



Antes da Eternidade

apareceste tu de cara destapada

de corda ao pescoço para receber o prémio

um homem dentro de um aquário pode fazer explodir o universo

debaixo de um comboio

um corpo evidenciava essa tempestade.


 

4 de outubro de 2011

O Mundo



Entre os lábios

que sabem o meu nome

eu e tu

sobre os lençóis da tarde

vem o corpo apertar-se ao poema

a língua na pele é um pormenor

com ela entramos

escrevemos

nesse corpo extraído

não à carne violenta do abraço

mas ao abismo suspenso da ferida

entre os lábios

que são dos astros as raízes da noite

e os alicerces do dia

dormindo fervilhamos

com as folhas que de sonho ardem.