HÁ COISAS QUE SÓ SE VIVEM, OU ENTÃO, SE INSISTIRMOS EM AS DIZER, É NECESSÁRIO FAZÊ-LO EM POESIA. Pier Paolo Pasolini. Este Blogue não seguirá, por respeito à Língua Portuguesa, o designado "acordo ortográfico"
29 de junho de 2010
Este Coração que Escreve
Este coração que escreve
não é um passo afundado na garganta do esquecimento
este coração é a elipse e o trompe l`oeil
uma catedral barroca de ardente sinfonia
é a mão que embala o sangue e forma o rio da palavra
é o peixe no branco oceano
onda de papel essencial
o peixe letra talhado pela melancólica caneta
este coração que escreve
é uma máquina queimada pelo sonho
uma gota de suor na máscara do homem que pensa
a nuvem que salga o mar de azul
sendo uma constelação de água que escorre silente
é também a raiz cujo peso é somente firmamento onde
uma borboleta de estrelas movimentando-se nos dedos
um trabalho delicado na paisagem vulcânica
bisturi sobre o corpo das palavras rebentadas no verbo
a carne dividida pelo estremecimento da voz
exclama a terra anoitecida
balança musical onde
este coração é osso crepuscular do tempo
um relógio cantante desalojado de seus ponteiros
calendário á procura do teu rosto
alastrado pela ausência.
21 de junho de 2010
Condição Humana
"Estudos Sobre o Corpo Humano" - Francis Bacon
Pressupõe-se fotográfico o pincel da memória
mas o homem que fortifica com o seu próprio sangue
a trave mestra da sua casa
abre o coração do quarto
onde escureceu e floriu
e da sua própria ternura
luminosa terra
grita um corpo coberto pela melancolia da palavra.
Nos seus ombros duas lâmpadas
pérolas de néon
para abrir caminho ás águas
olhos
que foram antes o futuro e a carne finita
da condição humana.
18 de junho de 2010
Os Dias
"Pai e Filho" - A. Sukorov
Os dias
como pedras ardentes
pequenos embrulhos silenciosos no patamar do tempo
avisos nocturnos
películas onde oscila claramente uma ideia
a estrada até aos teus amigos é um voar de falcões estelares
e morcegos diurnos que amparam os braços sem corpo
deflagrado pela impaciência da madrugada
uma cabeça como um chicote vital para o acordar
a voz das coisa desaparecidas
é um jardim primordial com flores absolutas.
8 de junho de 2010
Atada ao Coração
Aniello Scotto - "Ecce Homo"
Atada ao coração a palavra
esconde-se nos finos cordéis do tempo
o mar salpica lentamente o horizonte
as unhas da noite enfurecidas
aparafusam a ultima fímbria de luz
ao peito da lua
a caneta violenta volta a abrir a carne do verbo
o meu único oficio
para uma vida mais digna
Só um Relâmpago Queimaria Aqueles
Fernando Lemos - "Auto-retrato"
Só um relâmpago queimaria aqueles
que brevemente atravessaram a tua boca
como cães brilhantes surgiriam no extremo da lua cheia
onde a porosa água que ilumina a pele
é a brancura da escrita que desfaz os nós
e a letra caligrafada nos espelhos terríveis
cordas de virar páginas para nos decifrarmos melhor
é então que apetece á tempestade o instante mais fulgurante
a cidade esticada no limite dos que sonham a sua vertigem
tinhamos então
não duas mãos
mas uma fogueira para ardermos juntos.